Nosso corpo é um livro de memórias, que registra todas as experiências pelas quais passamos em nossas vidas, em todas as suas fases, desde a infância até nossa velhice.
Qual de nós nunca percebemos quanto nossa voz lembra a dos nossos pais, irmãos? Além disso até a nossa própria aparência física se adapta aos que convivem conosco ao longo de nossas vidas; e não falo de parentes genéticos, mas sim de esposas, maridos, amigos...
Sendo assim, nosso corpo "material", físico, não é "construído" apenas geneticamente, e sim socialmente, culturalmente aliado às trasnformações biológicas. Somos uma "esponja do mundo', absorvendo tudo o que sentimos, e o nosso corpo transmite ao mundo estas experiências.
A voz talvez seja um dos grandes canais de comunicação que o nosso corpo tem para transmitir estas experiências que vivemos, até porque nossa voz é resultado de como nosso corpo se apresenta. registramos em nossas memórias o que é alegria, tristeza e como devemos expressar isto, sonoramente, fisicamente. E não fazemos, na maioria das vezes, de maneira consciente, e sim instintivamente.
Assim nossa respiração, voz, partem daquilo que sentimos e emitimos como sensação do que somos. No mundo todo, em cada região, pessoas terão timbres semelhantes entre si e que diferem do mundo todo, caracterizando a cultura de cada local, seu comportamento, entre outros
O ator deve buscar expandir suas experiências individuais e coletivas a fim de poder contar cada vez mais com um repertório ainda maior para composição vocal de seus personagens, que na maior parte dos casos possuem cultura diferente de seu intéprete. Além destas experiências, o ator precisa também adquirir um auto-conhecimento desenvolvido de seu corpo, para descobrir em si, onde estão registradas estas experiências e como experimentá-las praticamente.
A base de tudo, de onde parte tudo isto é a nossa respiração, o ar que adentra e que expiramos de nosso organismo interno. O conceito de Espírito está intimamente ligado à respiração, ao ar. A palavra Espírito deriva da palavra latina Sopro. Assim, a cada respirada, enchemos nosso organismo de experiências e colocamos nosso "espírito" para fora.
Gostaria de encerrar este texto citando um trecho de um texto de Voltaire que utilizo na encenação do solo "Tempo Esgotado" apenas a título de discussão sobre o controle que temos sobre nós mesmos e o conhecimento e a experiência que adquirimos ao longo da vida. Eis o trecho:
Surgem por todos os lados, pobre doutor. Queres saber por que o teu braço e o pé obedecem à tua vontade e por que o teu fígado não te obedece? Indagas como o pensamento se forma no teu tímido entendimento e como gera aquela criança no útero da mãe? Dou-te o tempo que queiras, para me responderes.
O que é a matéria? Os teus colegas doutores encheram dez mil volumes sobre o assunto; descobriram nela algumas qualidades essenciais: as crianças conhecem – nas tanto como tu. Mas essa substância no fundo o que é? E a que é que chamaste espírito (termo cuja origem é palavra latina sopro, não podendo achar melhor conceito, por que não fazes a mínima idéia do que isso seja)?
Repara no grão de trigo que se lança a terra e dize – me por que brota depois do solo para produzir um canudo carregado com uma espiga. Ensina – me a razão por que a mesma terra produz uma maçã no alto dessa árvore e uma castanha na árvore vizinha. Podia arranjar um calhamaço recheado de perguntas, ás quais não deverias honestamente responder senão por quatro palavrinhas: não sei nada disso.
E, todavia és bacharel, és doutorado, possuis vários diplomas, e és togado. Chamam-te mestre. E esse orgulhoso pateta, nomeado para um modesto emprego numa cidadezinha, supõe ter comprado o direito de julgar e condenar aquilo de que nada percebe.
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