segunda-feira, 21 de março de 2011

Livro de Memórias

Nosso corpo é um livro de memórias, que registra todas as experiências pelas quais passamos em nossas vidas, em todas as suas fases, desde a infância até nossa velhice.

Qual de nós nunca percebemos quanto nossa voz lembra a dos nossos pais, irmãos? Além disso até a nossa própria aparência física se adapta aos que convivem conosco ao longo de nossas vidas; e não falo de parentes genéticos, mas sim de esposas, maridos, amigos...

Sendo assim, nosso corpo "material", físico, não é "construído" apenas geneticamente, e sim socialmente, culturalmente aliado às trasnformações biológicas. Somos uma "esponja do mundo', absorvendo tudo o que sentimos, e o nosso corpo transmite ao mundo estas experiências.

A voz talvez seja um dos grandes canais de comunicação que o nosso corpo tem para transmitir estas experiências que vivemos, até porque nossa voz é resultado de como nosso corpo se apresenta. registramos em nossas memórias o que é alegria, tristeza e como devemos expressar isto, sonoramente, fisicamente. E não fazemos, na maioria das vezes, de maneira consciente, e sim instintivamente.

Assim nossa respiração, voz, partem daquilo que sentimos e emitimos como sensação do que somos. No mundo todo, em cada região, pessoas terão timbres semelhantes entre si e que diferem do mundo todo, caracterizando a cultura de cada local, seu comportamento, entre outros

O ator deve buscar expandir suas experiências individuais e coletivas a fim de poder contar cada vez mais com um repertório ainda maior para composição vocal de seus personagens, que na maior parte dos casos possuem cultura diferente de seu intéprete. Além destas experiências, o ator precisa também adquirir um auto-conhecimento desenvolvido de seu corpo, para descobrir em si, onde estão registradas estas experiências e como experimentá-las praticamente.

A base de tudo, de onde parte tudo isto é a nossa respiração, o ar que adentra e que expiramos de nosso organismo interno. O conceito de Espírito está intimamente ligado à respiração, ao ar. A palavra Espírito deriva da palavra latina Sopro. Assim, a cada respirada, enchemos nosso organismo de experiências e colocamos nosso "espírito" para fora.

Gostaria de encerrar este texto citando um trecho de um texto de Voltaire que utilizo na encenação do solo "Tempo Esgotado" apenas a título de discussão sobre o controle que temos sobre nós mesmos e o conhecimento e a experiência que adquirimos ao longo da vida. Eis o trecho:

Surgem por todos os lados, pobre doutor. Queres saber por que o teu braço e o pé obedecem à tua vontade e por que o teu fígado não te obedece? Indagas como o pensamento se forma no teu tímido entendimento e como gera aquela criança no útero da mãe? Dou-te o tempo que queiras, para me responderes. 
O que é a matéria? Os teus colegas doutores encheram dez mil volumes sobre o assunto; descobriram nela algumas qualidades essenciais: as crianças conhecem – nas tanto como tu. Mas essa substância no fundo o que é? E a que é que chamaste espírito (termo cuja origem é palavra latina sopro, não podendo achar melhor conceito, por que não fazes a mínima idéia do que isso seja)?
Repara no grão de trigo que se lança a terra e dize – me por que brota depois do solo para produzir um canudo carregado com uma espiga. Ensina – me a razão por que a mesma terra produz uma maçã no alto dessa árvore e uma castanha na árvore vizinha. Podia arranjar um calhamaço recheado de perguntas, ás quais não deverias honestamente responder senão por quatro palavrinhas: não sei nada disso.
E, todavia és bacharel, és doutorado, possuis vários diplomas, e és togado. Chamam-te mestre. E esse orgulhoso pateta, nomeado para um modesto emprego numa cidadezinha, supõe ter comprado o direito de julgar e condenar aquilo de que nada percebe.

Teatro Religioso - instrumento de fé ou de Propagação?

É interessante pensarmos nesta discussão entre Teatro e Religião. Se pesquisarmos mais profundamente, veremos que o Teatro, tal como o conhecemos, deriva de um culto ao deus da mitologia grega Dioniso. Sendo assim, o Teatro tem em suas raízes, a função religiosa e por muito tempo esteve vinculada a tal manifestação.

Porém, ao passar do Tempo, o Teatro ganha uma dimensão muito grande, deixa de ser um instrumento de meios religiosos, e passa a ser por si só uma manifestação, assim como aconteceu com todas as formas de expressão artística. Tal ligação com a religião, faz inclusive que, parte do pensamento da população, tenha uma visão "romântica" da Arte e dos artistas, crendo que os mesmos tenham uma ligação direta com a(s) divindade(s).

Esta ligação, e o fato da Arte comover e comunicar de forma mais direta do que o simples discurso verbal, faz com que igrejas, empresas, políticos, entre outros, busquem na Arte, uma forma de comunicar com seu público de maneira mais ampla e profunda. E neste caso, o Teatro demonstra tal poder, por agrupar em si, diversas outras manifestações artísticas, como a Música, as Artes Visuais e a Literatura, além da dramatização.

Tive oportunidade de participar de apresentações Teatrais religiosas e de assistir. Penso que o Teatro deve ser diverso e variado, que aconteça em todos os espaços. O que não pode acontecer é a ditadura da linguagem. O Teatro pode e deve acontecer com temática religiosa, assim como também deve ser profano.

Existem excelentes trabalhos teatrais realizados por instituições religiosas, e eles também comunicam e emocionam pessoas, levantam discussões, assim como o Teatro desvinculado da religião o faz. A distinção muitas vezes está na profissionalização: o Teatro religioso não possui fins lucrativos diretos e os artistas envolvidos são pessoas da população que normalmente não vivem da Arte.

Bom, quando digo "Teatro Religioso", refiro-me primeiramente ao Teatro vinculado diretamente à instituições religiosas, e não Grupos independentes que praticam Teatro com temática religiosa. Entendo que a expressão "Teatro Religioso" é ampla e abrangente, mas também não temos nenhum termo ou estudo voltado diretamente para estas manifestações (pelo menos não tenho conhecimento de tais pesquisas).

A Arte tem a função de ser o canal de comunicação entre o que um artista deseja "falar" e o que o público quer "ouvir". O importante é que todos possam entender, de maneira crítica, que a Arte está acima de temas, filosofias e do próprio artista que a executa.

E quando cito o que o Teatro dentro da Igreja não tem intuito profissional, é porque o mesmo está vinculado á uma instituição que não possui fins lucrativos (pelo menos não deveria, pois é o que rege a lei e por isso não pagam impostos). Sendo assim, não há como ser profissional (ou seja cobrar do espectador, e portanto receber) estando ligado a tais instituições. O fato de ser profissional ou não, na minha opinião, de nada influi na qualidade dos trabalhos apresentados, não passando apenas de conceitos pré-determinados e legalmente judiciais.

Sendo assim, a Igreja é uma instituição sem fins lucrativos, porém o que vemos, seja na mídia, ou em casos notórios, diversas instituições religiosas possuem grandes patrimônios, e seus representantes estão cada vez mais abastados. Desta forma, muitas vezes os grupos de Teatro vinculados às igrejas fazem suas apresentações para que as instituições consigam mais seguidores, e que por consequência, consigam mais arrecadação. Só que, na maior parte, os atores dos grupos são membros da sociedade que desenvolvem outras profissões, e fazem o Teatro apenas como meio de louvor, e não recebem por isto, e o grupo é mantido pela arrecadação da Igreja. Assim sendo, o "lucro" direto não tem nenhum repasse feito aos "artistas".

O fato é que, em vários casos, o Teatro dentro da Igreja serve com artifício para alienação de seguidores. Porém não podemos esquecer que tais práticas não se aplicam à todas as instituições, pois há sim o Teatro Religioso com fins educativos e morais, a fim de divertir e conscientizar a o público. Mas ainda sim, proponho um questionamento: Não será ainda esta mesma forma uma alienação?

Entre ruas e calçadas

Andar, pensar, parar, observar.
"Para que tantas pernas meu Deus" - resmunga Carlos Drummond de Andrade. 
Pernas, braços e rostos. 
Anônimos na multidão de desconhecidos do nosso dia-dia. 
E eles são muitos, de todos os tipos e jeitos, classes e etnias. 
Felizes, apressados, gays, mulheres, gordos e magros. 
Assim eles passeiam na minha mente.

Assim eu os transfiro para meu corpo. 
Assim eu sou eles, e não sou ninguém. 
Sou e não sou. 
A cada passo um descompasso. 
Um fremir delicado de pés, cabeça, tronco, cortado por um súbito não. 
Este é o fim inevitável do artista. Ser muitos e esquecer de si mesmo.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Trilhos

Estático. Mudo. Fico sentado, inerte, em total silêncio íntimo, enquanto lá fora salpicos de chuva fazem uma música incidental. Nada acontece. Nada de novo. Novamente nada. Os peixes na minha mente vazia nadam num oceano de idéias mortas,

Saio da cadeira. Continuo na cadeia. O dia amanhece, mas continua tudo escuro. "Talvez seja sono!" Grita a consciência adormecida, bêbada, e nem um pouco indolente. Sinto uma enorme vontade de não sentir nenhuma vontade. Cruelmente, de forma paradoxal, a vida parece morta dentro de mim. Enquanto penso isto, Artaud sorri no inferno, ao lado de Sartre. O inferno não existe. Enquanto isto o verão mais parece um inverno. Continua chovendo.

Faz frio... Uma preguiça abraçou minha alma com suas garras potentes e não pretende me abandonar  tão cedo. Pelo menos tenho companhia. Talvez seja a mudança. É isto. Sair do lugar comum, da conveniência, da zona de conforto, do aconchego de um mausoléu mal-trapilhado que a qualquer momento desabaria sobre minha cabeça. Mas não. Ist seria apenas uma justificativa para o injustificável. Cara platéia, o que devo fazer agora neste palco? Um vídeo relatando minhas experiências corporais. O que mudou na minha vida?

Nada. Nada muda. Nada mudo, nenhum criado-mudo ou surdo. Jogo com a paciência um jogo de paciência. Enquanto isto, mil idéias e problemas precisam ser solucionados, mas os peixes apenas nadam. Peço ajuda a Artaud, mas ele apenas ri. Van Gogh amputa suas orelhas expressionistas,o que não me impressiona. A vida passa feito locomotiva numa tela de Van Gogh, ou num filme de Kurosawa. Rei Lear agora é japonês. Viva a globalização.

Devo ocupar-me de preocupações mais relevantes. Isto, levante-se! o mundo está lá fora, empoçado numa avenida suja, cheia de água desta chuva miserável que não para de cair. Eu só quero dormir, depois passa. Tudo passa. as uvas passas, as ameixas passas, até o ônibus passa. O tempo passa, marcando passos, idas e vindas. Olhei para o espelho e me assustei. Meu Deus! Há dez anos atrás eu era dez anos mais jovem. Que coisa mais abstrata. Como posso envelhecer tanto assim.

Já sinto saudades de todos os que morreram. Faz tanto tempo. Quero um pouco de colo... Quero torcer pelo Ayrton Senna. Quero ser feliz como uma criança tonta, que não via um mundo decadente, podre, pobre, sem dentes, nem pernas e nem bandeiras. Um mundo de faz - de conta que era faz-de-conta que eu dava conta de viver nele. Talvez seja apenas mais um monótono monólogo. 

Há uma foto lá em cima. É de uma peça de Teatro - Tempo Esgotado. Um homem está a beira de si mesmo, um abismo sem fim. talvez seja o fim. O fim talvez seja um início. O início sempre nos conduz ao fim. Quando começa o fim e quando termina o início? Quando estamos no meio? Maquiável, entra sem ser convidado, justificando os meios pelo fim.