A Poética da Voz tem como enfoque a idéia de transformar a voz cotidiana, superando-a, fazendo com que a musicalidade da voz seja também produtora de sentidos.
Tal poética vocal não é estritamente técnica. Está mais ligada aos processos criativos, e depende da coesão entre a organicidade e a técnica. Falar é um gesto, uma vibração do corpo, que parte de um desejo com um determinado objetivo. A Voz é é também uma ação física, um gesto do corpo, e deve estar em harmonia com o restante deste corpo, trabalhando sinergicamente.
O bom músico afina diariamente seu instrumento musical e o manipula, buscando ainda mais a precisão na hora de executar sua arte, e assim o ator deve fazer com o seu corpo. “Afinar” o corpo e a voz não é simplesmente fazer exercício físico, aquecimento vocal ou cantarolar notas musicais, mas explorar corpo e voz em sua totalidade, compreendendo os seus limites, suas potencialidades... E a partir daí criar uma música corpórea, sonora, preenchida de silêncio, sentimento e significados.
Para Burnier (2001) " o ator é o poeta da ação". E a Poesia é uma ação extra-cotidiana, como toda a forma de Arte. Mas que é uma ação "Extra-Cotidiana". Por exemplo: Os que podem andar fazem isto sem nenhum esforço psicológico, e na maioria das vezes, sem muito esforço físico. Quando alguém diz para uma outra pessoa para esta andar para que ele possa ver, esta pessoa que antes andava com "naturalidade" passa a ter dificuldades de realizar uma ação totalmente cotidiana. Por que isto acontece? Oras, porque a representação é uma ação "Extra-Cotidiana", da qual a maioria das pessoas não possui Consciência das próprias ações cotidianas, e por isto não saberão representa-las. Daí a importância da Consciência de si e das possibilidades do seu instrumento de trabalho: O Corpo.
Esta afinação se dá através da consciência e de si e do outro. E é através desta afinação de nosso instrumento de trabalho - o corpo - que podemos executar ações extra-cotidianas, nos deixando em estado de alerta e prontidão cênica.
Este Colorido vocal é busca de uma voz que fuja da cotidianidade, do senso comum, da monocordia, como fosse uma música de uma nota só ou sem vida. Esta poesia, que transcende o estado comum, é simplesmente uma exemplificação de uma ação Extra-cotidiana, que se faz presente na presença cênica, na respiração, no corpo e na voz.
A desmontagem do corpo cotidiano significa, no limite, tornar acessível a experiência da "não-forma", do silêncio. O corpo informe se mantém no fluxo contínuo de sensações, afetos e percepções que aparecem e se dissolvem incessantemente, sem querer agarrá-las ou rejeitá-las.
Para adquirir esta Consciência, é necessário um exercício de auto-observação, da escuta e da observação da realidade a sua volta. Afinal de contas, o Teatro é a mimese da realidade, seja apenas como simples representação, seja para subverter o sentido do que é realidade, pois mesmo para subverter, precisamos conhecer o que é real. Assim, o Ator é o observador/ouvinte de si mesmo e da realidade. E a consciência técnica deste corpo e desta voz que irá representar será adquirida através de treinamentos freqüentes para a descoberta deste "corpo em si", para transformá-lo em uma "massa de modelar", que poderá se transmutar em vários corpos. No caso da voz, as mútliplas sonoridades e musicalidades poderão ser desenvolvidas.
Além disto, a presença cênica, a ação física e a prontidão dão ao ator a consciência e a técnica necessária (a partir do conhecimento prático e teórico das sonoridades e seus parâmetros do corpo e suas qualidades de movimento) para realizar o seu trabalho com qualidade e verdade cênica.
A voz é um gesto do corpo, gesto físico, pois atinge tanto tátilmente quanto auditivamente. A onda mecânica toca o corpo, a palavra e o som captado pelos ouvidos está carregado de imagens, signos e sentimentos. E tudo isto só acontece se o ator, através da técnica e da organicidade, estiver em estado de presença cênica e prontidão.
Tenho assistido a alguns espetáculos em Goiânia, e os erros recorrem sempre no fato de "faltarem com a verdade", com a fé cênica, de buscarem a estética pela estética, e a forma pela forma. Buscam projeções, entonações e impostações falsas, sem nuances, sem compreensão dos parâmetros do som, organicidade e ainda com problemas de dicção.
A arte do ator, do intérprete cênico, é dar vida ao pensamento do autor. Interpretar, é compreender a fundo o sentido do que se está fazendo, é tornar orgânico, transmitir o texto ao espectador como se fosse pensado por si, sem necessitar falsetes, ou timbres completamente distantes. Atuar compreende uma função de agente da fala, poeta da ação, e como artista, dizer uma verdade que afeta o espectador, que mude o sentido de vida de cada um que participa do jogo da encenação.
Não há silêncio absoluto, há intervalos. Intervalos entre o pensamento e a ação, sempre preenchidos por uma pulsação ou respiração, pois tudo que é vivo respira e pulsa, toda a matéria vibra, e a vibração emite sons. Há o ar, o sopro. O silêncio é um gesto, é ouvir, escutar, pois antes da fala, vem o pensamento, vem a ação do outro, que desencadeia uma reação, que por sua vez gera outra ação, numa constante cíclica, que move o mundo, e no Teatro este mundo, subvertido, invertido, transmutado se configura como uma realidade única aos olhos do observador, atento, buscando todos os detalhes, e participando ativamente, em "silêncio" preenchido de emoções.
Compreender o silêncio não como um vazio ou pausa, mas como elemento do som, perceber o som como elemento a se manipular, preenchido de ação, emoção e nunca vazio e estático. Teatro é ação. E tudo o que se faz no palco é passível de significado e sentido, e deve estar preenchido pela verdade. Eis o que é um trabalho do ator, que é sempre compositor e agente transformador, ressignificante, e canal de ligação entre autor e diretor com a platéia.
Falar até papagaio consegue, imitar gestos um macaco pode fazer. Mas criar é algo estritamente humano, verdadeiro, e parte de um desejo. Afinal, por que somos atores?